La melancolia como deporte praticable.

miércoles, 27 de abril de 2011

"...,pá!"

uma vez mais a propósito do Saramago, regresso às subtilezas da Língua Portuguesa, amiúde esquecida por estas minhas terras. Ontem, quando depois da conferência passaram o documental "José y Pilar", ouvi o Saramago falar com aquele tom cansado e meio pesado da idade avançada e senti que a minha atracção auditiva seguia quase sempre as pequenas muletas da nossa Língua oral (tão, tão simples, mas ao mesmo tempo tão cheias de força pragmática linguística!). Veio-me à cabeça o tom de voz do meu avô e de todos os tons pesados, melancólicos e fatigados dos anos.
o tal "pá", no final de cada frase. O tal "pá" repetido até à exaustão, sem se dar conta. O "pá" que também veio à baila há relativamente pouco tempo e que tão bem descreve o Mário de Carvalho nos coronéis e uma piscina. deixa la ver se encontro isso...
cá está, página 215:
"-Pá! - suspendeu-se o coronel Bernardes que, nos degraus da escada de mão, varria as vistas a bom varrer, de binóculo a jeito. Muito curiosa, esta partícula "pá!", que não querendo dizer nada, quer dizer tudo e exprime as mais ínfimas variações de alma. O professor Óscar Lopes já nos deu um magnifico estudo sobre o "assim". Este "pá", ao que sei, aguarda ainda o exame ilustrado e frio duma grande cabeça. Lá chegaremos, acho. Admiremos para já, de ouvido, a beleza e a simplicidade daquela vogal aberta que parece estalar com a oclusiva "p", como uma sonora bolota a saltar no lume. Quanto à semântica, o que me entristece é virem-me dizer que a Língua Portuguesa é desmunida de capacidade de síntese. Neste simples "pá" do coronel Bernardes há uma mistura de gáudio, de reconhecimento, de descrição, de desconfiança, de alarme, que não se encontra nos falantes dos demais idiomas, com excepção das crianças de peito."